Em 1° de dezembro de 2023, após a rejeição do Convênio ICMS 174/2023 pelo Estado do Rio de Janeiro e nova discussão no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), foi publicado o Convênio ICMS n° 178/2023 para a regulamentação da transferência de créditos de ICMS na remessa interestadual entre estabelecimentos de um mesmo titular.
A regulamentação decorre de determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) imposta na decisão proferida nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49, que reconheceu como inconstitucional a incidência de ICMS sobre a transferência de mercadorias entre filiais de uma mesma pessoa jurídica, ainda que em Estados diferentes, e modulou seus efeitos para 2024, determinando aos Estados e Distrito Federal que regulamentassem a referida transferência de créditos por meio do CONFAZ.
Todavia, ainda em contradição à decisão do STF, que previa a faculdade e direito de livre utilização dos créditos pelos contribuintes, o Convênio ICMS n° 178/2023 manteve a previsão quanto à obrigatoriedade da transferência do crédito tributário para o estabelecimento de destino nas remessas interestaduais entre estabelecimentos de mesma titularidade, sob a aplicação da alíquota interestadual, como previsto no rejeitado Convênio ICMS n° 174/2023.
A ADC n° 49 ainda pende de julgamento dos embargos de declaração, opostos para reforçar o direito ao aproveitamento dos créditos a critério do contribuinte, seja na Unidade Federada de origem ou de destino, e pleitear a postergação da modulação de efeitos para o exercício de 2025.
Nesse ínterim, de um lado o contribuinte se depara com a Nota Orientativa emitida pela Receita para regular procedimento provisório de emissão e escrituração de documentos fiscais nas remessas interestaduais de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, em decorrência da decisão do STF na ADC 49; e do outro, com o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 116/2023, aprovado pelo Senado e pela Câmara que foi remetido e aguarda a sanção presidencial.
O PLP prevê a alteração da Lei Kandir (LC nº 87/96) e equipara a operação à ocorrência de um fato gerador, assegurando o direito creditório, mas sem deixar claro o critério de faculdade ou obrigatoriedade da transferência do crédito pelo contribuinte.
Entre o Convênio ICMS n° 178/2023 e o PLP nº 116/2023 verificam-se divergências importantes, dignas de nota. Afora a questão acerca da obrigatoriedade de transferência dos créditos e a incerta faculdade de opção pelo contribuinte contida no PLP; o Convênio estabelece, entre os procedimentos a serem seguidos, que a transferência dos créditos deverá ser realizada a cada remessa mediante a consignação do valor do crédito na NF-e no campo destinado ao destaque do imposto (débito). Ou seja, o crédito de ICMS a ser transferido deverá ser lançado a débito pelo remetente, mediante Registro de Saídas, e a crédito pelo destinatário, no Registro de Entradas, devendo a apropriação do crédito atender às regras previstas na legislação tributária da unidade federada de destino.
Já o PLP prevê a transferência do crédito apurado nas etapas anteriores. Entre a divergência de critérios, pode-se dizer que o critério estabelecido pelo Convênio poderá afetar a base de apuração do ICMS.
Por outro lado, tanto o Convênio como o PLP não trataram das operações sujeitas à substituição tributária ou à antecipação nos Estados de destino, tampouco das transferências de ativos fixos. E o PLP ainda inova em metodologia para a definição do crédito estabelecendo que a base de cálculo será "o valor atribuído à operação de transferência", sem dispor quanto a limites. Como era de se esperar, ao regulamentar o tema, São Paulo também foi silente sobre esses procedimentos.
Considerando as claras divergências entre os textos, com a sanção do PLP também se visualizam discussões quanto à validade dos benefícios fiscais na nova sistemática, especialmente no caso de crédito presumido de ICMS nas operações de saídas interestaduais (impactos decorrentes da LC/160).
Na ausência dessas definições claras, as Unidades Federadas (UF) já estão aproveitando para tratar da matéria, a exemplo do Estado de São Paulo, que publicou hoje (26.12.2023) o Decreto nº 68.243/2023 para dispor sobre o tema, com base no Convênio ICMS nº 178/2023.
Nesse sentido, o Estado de São Paulo definiu como obrigatória a transferência do crédito do ICMS nas remessas interestaduais entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, a observar as normas estipuladas pelo Convênio, o que significa que este crédito caberá à UF de destino e mediante a aplicação da alíquota interestadual (dentre as demais exigências).
Ademais, o Decreto estabeleceu como opcional a transferência do crédito nas remessas internas, desde que, na hipótese de o contribuinte optar pela transferência, deverá (i) abarcar todos os estabelecimentos do contribuinte localizados em SP; (ii) declarar em termo no Livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrência (RUDFTO) com efeito pelo período de 12 meses, contados do primeiro dia do mês subsequente ao da lavratura do termo.
O Decreto nº 68.243/2023 terá vigência a partir de 01.01.2024, e aguarda-se igual movimento por parte das demais Unidades Federadas. Até lá, não se pode negar o cenário de indefinição jurídica sobre o tema. Por isso, continuaremos acompanhando e à disposição para o esclarecimento de eventuais dúvidas.