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Novo regime de tributação de offshores e fundos exclusivos

Em 13.12.2023, o Projeto de Lei nº 4.173/2023 foi finalmente sancionado e convertido na Lei nº 14.754/2023 para regulamentar a nova sistemática de tributação de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts detidos no exterior por pessoas físicas residentes no País, bem como fundos de investimento nacionais.

As alterações trazidas pela Lei nº 14.754/2023 passarão a valer em 01.01.2024, salvo para algumas obrigações e opções nela expressas, que, ainda que de constitucionalidade discutíveis, deverão ser exercidas ainda no ano de 2023.

Destacamos, a seguir, as principais alterações introduzidas pela Lei:

 

Aplicações financeiras e rendimentos no exterior detidos por pessoa física domiciliada no País

A Lei nº 14.754/2023 determinou como tributáveis os rendimentos de quaisquer aplicações financeiras realizadas no exterior, como, por exemplo, aplicações em renda variável e títulos de renda fixa, ativos virtuais, depósitos não remunerados, participações societárias, cotas de fundos de investimento, apólices de seguro ou mesmo operações de crédito, inclusive mútuo de recursos financeiros, em que o devedor seja residente ou domiciliado no exterior, dentre outras.

Tais rendimentos serão tributáveis no momento de sua realização (regime de caixa) sob a alíquota de 15% , sendo admitida a compensação do imposto de renda pago no exterior se firmado acordo com o Brasil para evitar a dupla tributação ou se existente reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no País, desde que não ultrapasse o valor devido do tributo no Brasil, bem como com perdas incorridas nas aplicações financeiras, desde que comprovadas por documentação hábil.

A variação cambial de depósitos em conta-corrente ou em cartão de débito ou crédito no exterior não ficará sujeita à incidência do IRPF, desde não sejam remunerados e sejam mantidos em instituição financeira no exterior reconhecida e autorizada a funcionar pela autoridade monetária do país em que estiver situada. De igual modo, a variação cambial de moeda estrangeira em espécie não ficará sujeita à incidência do IRPF até o limite de alienação de moeda no ano-calendário equivalente a US$ 5.000,00.

 

Controladas no exterior

Foram introduzidos dois regimes: para os lucros apurados até 31.12.2023, será mantido o regime de caixa, sendo tributáveis apenas por ocasião da distribuição à alíquota de 15%. Já os lucros que forem apurados a partir de 1°.01.2024, serão passíveis de tributação independentemente da sua distribuição.

O novo regime prevê a tributação a apuração dos lucros apurados em 31/12 de cada ano mediante a aplicação de uma alíquota fixa de 15% (regime de competência), e segundo balanço levantado de acordo com os padrões contáveis brasileiros. O lucro apurado deverá ser convertido em Reais pela cotação de fechamento da moeda estrangeira em 31/12, para venda, do Banco Central do Brasil.

Serão consideradas como controladas as entidades, incluindo fundos de investimento e fundações, em que a pessoa física:

       I.          detenha, direta ou indiretamente, isolada ou em conjunto com outras partes, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria de seus administradores; ou

      II.          possua, direta ou indiretamente, de forma conjunta ou isolada em conjunto com outras pessoas vinculadas, mais de 50% do capital social ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros ou ao recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.

E que,

    III.          estejam localizadas em país ou em dependência com tributação favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; ou

    IV.          apurem renda ativa própria inferior a 60% da renda total.

Poderão ser deduzidos do lucro da controlada, desde que não supere o tributo devido no Brasil:

       I.          os prejuízos apurados em balanço, pela própria controlada;

      II.          lucros e dividendos de suas investidas que forem PJ domiciliadas no Brasil;

    III.          imposto pago no país de domicílio da controlada ou em qualquer outro país do exterior;

    IV.          ganhos ou rendimentos auferidos no Brasil que não tenham sido excluídos da apuração do lucro cujo imposto foi pago no país de domicílio;

No que se refere à variação cambial do principal (capital) e sobre os lucros apurados, será aplicado o regime de caixa e comporá o ganho de capital percebido apenas no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, a se aplicar a progressiva do IR (atualmente, 15% a 22,5%). O ganho de capital corresponderá à diferença positiva entre o valor percebido em moeda nacional e o custo de aquisição médio por quota ou ação alienada, baixada ou liquidada, em moeda nacional.

A Lei n° 14.754/23 revogou a isenção sobre a variação cambial que anteriormente se aplicava aos investimentos adquiridos originariamente em moeda estrangeira.

Em contrapartida, o ganho ou perda decorrente de variação cambial do lucro já tributado em 31/12 de cada ano e registrado como custo de aquisição do crédito do dividendo a receber, não serão computados na apuração do IRPF quando da distribuição desses lucros.

 

Sistema da “transparência”

A Lei n° 14.754/23 inova e dispõe quanto à opção da pessoa física passar a declarar em sua DAA os bens e direitos detidos no exterior por entidade controlada diretamente em seu patrimônio, passando a tributar esses ativos conforme a natureza deles, e de acordo com o momento da sua realização (regime de caixa). Com a opção da entidade “transparente”, será admitida a compensação de perdas em relação aos ativos classificados como aplicações financeiras no exterior com a parcela de lucros apurados.

Essa opção poderá ser exercida para cada controlada (na hipótese de o contribuinte possuir mais de uma), separadamente, tendo como data base as participações societárias detidas em 31.12.23, e será irrevogável, produzindo efeitos a partir de 1°.01/24 conforme procedimentos a serem regulamentados pela Receita Federal.

Na hipótese de alienação dos bens e direitos pela pessoa física que tiver optado pelo regime da entidade controlada “transparente” à entidade não transparente (ou opaca), a Lei nº 14.754/2023 determina que deverão ser avaliados a valor de mercado no momento da transferência e o valor da diferença apurada em relação ao seu custo de aquisição será considerado renda da pessoa física, sujeita à tributação pelo IRPF no momento da transferência.

 

Trusts

A Lei n° 14.754/23 também inovou ao reconhecer e regular os Trusts pela primeira vez. Os bens e direitos que constituem seu patrimônio serão considerados de titularidade do instituidor pessoa física e deverão ser declarados pelo contribuinte na próxima DAA, independentemente da sua data de aquisição, na data-base de 31.12.23, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras de tributação estabelecidas para as aplicações e rendimentos financeiros (regime de caixa e alíquota de 15%).

Caso o Trust detenha uma controlada no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular dos bens e direitos, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras de tributação aplicáveis à apuração do lucro: tributação anual à alíquota de 15%.

A transferência do patrimônio do Trust para o beneficiário será considerada como doação, caso o settlor esteja vivo, ou como em transmissão causa mortis, caso falecido.

Como se trata de novo regime, o legislador também determinou que o instituidor do Trust, caso vivo, ou os beneficiários, deverão providenciar, no prazo de até 180 dias da data de publicação da Lei, a alteração da escritura do Trust para constar redação que obrigue, de forma irrevogável e irretratável, o atendimento, por parte do trustee, das disposições estabelecidas pela Lei n° 14.754/23.

 

Atualização do Custo de Aquisição dos Bens e Direitos

A nova Lei também possibilitou à pessoa física optar por atualizar o valor dos bens e direitos detidos no exterior para o valor de mercado em 31.12.23 e tributar a diferença apurada em relação ao custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 8%.

A opção poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem e deverá ser feita na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal. O imposto deverá ser pago até 31.05.24, quando a opção será considerada como definitiva.

A opção pela atualização poderá abranger:

         I.          aplicações financeiras;

       II.          bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;

      III.          veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária; e

     IV.          participações em entidades controladas.

A opção poderá, inclusive, incorporar a atualização do valor de bens e direitos objeto do Trust e os detidos pela entidade controlada para a qual se optar pelo sistema da transparência, de modo que todos os bens e direitos fiquem vinculados à pessoa física contribuinte.

Os bens e direitos serão atualizados para o seu valor de mercado em 31.12.2023, observado:

  1. o saldo existente na data-base, conforme documento disponibilizado pela instituição financeira custodiante para as aplicações financeiras;
  2. o valor de mercado na data-base conforme avaliação feita por entidade especializada para os bens imóveis e os móveis alcançados pela atualização; e
  3. para o caso das participações em entidades controladas, o valor do PL proporcional à participação no capital social, ou equivalente, incluídos a identificação do capital social, ou equivalente, a reserva de capital, os lucros acumulados e as reservas de lucros.

Em contrapartida, não poderão ser objeto de atualização:

I - bens ou direitos que não tiverem sido declarados na DAA de 2022 ou adquiridos no decorrer de 2023;

II - bens ou direitos que tiverem sido realizados alienados, baixados ou liquidados antes da data da formalização da opção; e

III - moeda estrangeira em espécie, joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.

Os valores atualizados serão considerados como acréscimo patrimonial, declarados na DAA como custo de aquisição adicional ou crédito de dividendo a receber. Eventual ganho ou perda decorrentes da variação cambial, não serão tributados posteriormente por ocasião da distribuição dos dividendos.

 

Fundos de Investimento

A novidade em relação aos Fundos decorre da extensão da cobrança semestral antecipada do IRRF – o denominado come-cotas, antes restrito aos fundos abertos. Agora também os fundos fechados estarão sujeitos à tributação periódica, incidente no último dia útil dos meses de maio e novembro ou na data da sua distribuição, da amortização ou do resgate de cotas, caso estes ocorram antes.

Mantiveram-se as alíquotas de 15% para investimentos de longo prazo e de 20% para investimentos de curto prazo. O tributo será apurado sobre os rendimentos e será de responsabilidade do administrador do Fundo sua retenção e recolhimento.

As perdas apuradas na amortização ou no resgate de cotas poderão ser compensadas com ganhos apurados nas incidências posteriores e na distribuição de rendimentos, na amortização ou no resgate de cotas do mesmo fundo de investimento, ou de outro fundo de investimento administrado pela mesma pessoa jurídica, desde que este fundo esteja sujeito ao mesmo regime de tributação.

Contudo, a compensação de perdas somente será admitida se esta perda constar de sistema de controle e registro mantido pelo administrador que permita a identificação, em relação a cada cotista, dos valores compensáveis.

Alguns Fundos, contudo, foram excepcionados do regime do come-cotas e terão tratamento específico, a exemplo dos FIA, FIPs, FDICs, ETFs (salvo de renda fixa) que forem classificados como entidade “de investimento”. Os rendimentos apurados por cotistas destes fundos se sujeitarão à alíquota de 15% de IRRF na data de distribuição dos rendimentos, da amortização ou do resgate das cotas (regime de caixa).

O mesmo tratamento específico será assegurado aos Fundos que investirem 95% do seu patrimônio nos Fundos acima, ou seja, assegurada a alíquota de 15% sobre os rendimentos, resgate ou amortização, não se submetendo ao come-cotas.

 

Tributação do saldo de estoque de rendimentos apurados nos Fundos

A Lei nº 14.754/2023 consolidou a incidência da tributação dos rendimentos acumulados nas cotas dos fundos de investimentos fechados (“saldo de estoque”), calculados pela diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 31.12.2023 e o seu custo de aquisição (a variar de acordo com o caso), e oportunizou o recolhimento do imposto devido de duas formas diferentes, deixadas para opção e escolha do contribuinte.

                           I.          Alíquota de 8% de IRRF sobre os rendimentos apurados até 30.11.2023, a ser recolhido em 4 parcelas mensais: 29.12.23, 31.01.24, 29.02.24 e 29.03.24;

                          II.          Alíquota de 8% de IRRF sobre os rendimentos apurados entre 1°.12.2023 a 31.12.2023, a ser recolhido em maio de 2024, em conjunto com a tributação periódica; ou

                        III.          Alíquota de 15% de IRRF sobre os rendimentos apurados até 31.12.2023, a ser recolhido em até 24 parceladas mensais corrigidas pela SELIC, devendo a primeira ser paga em 31.05.24.

Frisa-se que a opção pelo recolhimento antecipado apenas se consumará e se tornará definitiva com o pagamento integral do IR. Caso isso não ocorra, será aplicado o regime geral de tributação dos estoques mediante a alíquota de 15% e com a dedução das parcelas já pagas até a data do inadimplemento.

A tributação dos rendimentos apurados em 2023, correspondente a fatos geradores ocorridos no exercício anterior à vigência da Lei poderá suscitar questionamentos e contencioso judicial, e entendemos haver bons argumentos para a defesa.

Advertimos, contudo, que o não pagamento do tributo ensejará o impedimento de distribuição ou repasse de recursos pelo Fundo aos cotistas e na impossibilidade de serem realizados novos investimentos até que ocorra a quitação integral tributo; estando o administrador obrigado ao envio dos dados dos contribuintes inadimplentes à Receita Federal. Cumprida a obrigação, a responsabilidade do administrador pelo recolhimento do imposto ficará afastada e recairá sobre o cotista, que se sujeitará ao lançamento de ofício.

Os procedimentos para a adesão foram regulamentados pela Instrução Normativa RFB n° 2.166/23.

Authors

Antônio César Brandão do Carmo Lima
Antônio César Brandão do Carmo Lima
Tax
São Paulo

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