Publication 20 Mar 2025 · Brazil

Novo modelo de contrato para Startups: do mútuo conversível ao Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC)

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Nos últimos anos, o mercado de startups e venture capital do Brasil passou por transformações e oscilações, tendo tanto períodos de crescimento acelerado, incluindo rodadas de captação com grandes investidores estrangeiros, e de retração, com empresas antes promissoras enfrentando dificuldades.  Apesar dessas oscilações, o venture capital consolidou-se como uma peça fundamental no mercado de crédito do país.

Ao longo de toda essa trajetória, o principal instrumento jurídico utilizado para investimentos em startups no chamado early stage foi o mútuo conversível. No entanto, com o amadurecimento do mercado, algumas desvantagens desse modelo de contratação tornaram-se mais evidentes.

Para superar essas desvantagens, em 29 de novembro de 2023, o Senado brasileiro, atendendo a solicitações de vários atores da indústria de venture capital no país, aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 252, que altera a Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups).

O Mútuo Conversível

O mútuo conversível, há anos o mais usado entre investidores early stage, consiste em um empréstimo que dá ao investidor a opção de (i) exigir, no vencimento, o repagamento de seu investimento inicial com juros e correção ou (ii) converter o valor emprestado em quotas ou ações do capital social da investida, conforme os termos estabelecidos no contrato.  

Idealmente, a conversão ocorreria no âmbito de uma nova rodada de investimentos ou de uma compra de todas (ou substancialmente todas) as quotas/ações da startup, permitindo a participação do investidor nesses eventos, em geral em condições privilegiadas com relação aos investidores/compradores principais.

O mútuo conversível traz a vantagem de ser um contrato pre-equity, ou seja, permite que o investidor faça um aporte inicial sem se tornar sócio da investida, reduzindo, ao menos teoricamente, o risco de desconsideração da personalidade jurídica e comprometimento dos seus bens.

Por se tratar, no entanto, de um empréstimo, o valor do investimento é registrado como dívida (passivo) da startup, o que tem gerado insegurança jurídica em algumas situações, como:

  1. se a opção do investidor por não converter o mútuo em seu vencimento configura doação
  2. e a conversão do mútuo em participação com um preço por ação inferior ao valor justo poderia ser considerada ganho de capital 

O Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC)

O Projeto de Lei Complementar nº 252 (ainda em tramitação na Câmara dos Deputados) busca instituir o Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC), com a intenção de substitui-lo como principal instrumento de investimento em startups em seus estágios iniciais no país.

O CICC foi inspirado no SAFE (Simple Agreement for Future Equity), contrato criado pela incubadora Y Combinator, uma das mais respeitadas do Vale do Silício. Assim como o mútuo conversível, o SAFE é um documento pre-equity, mas sem característica de dívida, um aspecto que diversos atores da indústria brasileira buscavam importar.

Conforme o texto aprovado, as principais características do CICC são:

  1. o valor investido não será considerado dívida, independentemente de seu tratamento contábil
  2. caso o investidor opte por não realizar a conversão, os valores investidos continuarão no patrimônio da sociedade, sem necessidade de reembolso
  3. o investidor não sofrerá efeitos tributários caso opte por não converter seu investimento ao término da relação contratual com a startup
  4. o investidor considerará o valor investido, para fins tributários, como custo inicial de aquisição de participações societárias

O CICC assemelha-se a uma opção de subscrição, que já pode ser utilizada no Brasil, mas sem a mesma segurança jurídica que o projeto pretende conferir. A definição clara dos efeitos tributários é uma das maiores contribuições do projeto, caso aprovado.

Assim, aguardamos os próximos passos da tramitação do projeto pela Câmara para acompanhar como o assunto se desenvolve e se o CICC, caso aprovado, substituirá de fato o mútuo conversível como principal instrumento de investimento em startups no Brasil.