Consulta Pública MME nº 202/2025: Diretrizes e Sistemática do Leilão de Reserva de Capacidade na Forma de Potência (LRCAP/2026)
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O Ministério de Minas e Energia (MME) deu mais um passo importante na modernização do setor elétrico brasileiro ao publicar a Portaria nº 878/2025, que submete à Consulta Pública nº 202/2025 a minuta de regulamento do Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência (LRCAP/2026 – Armazenamento em Baterias). A iniciativa representa o marco inaugural da contratação regulada de sistemas de armazenamento de energia no país, consolidando o papel estratégico das baterias eletroquímicas na segurança, flexibilidade e eficiência do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Estrutura Geral do Leilão LRCAP/2026 - Armazenamento
A minuta de Portaria do MME define que o produto negociado será a “Disponibilidade de Potência” (em MW) associada a novos sistemas de armazenamento de energia elétrica em baterias, devendo estes cumprir os requisitos técnicos e operacionais estabelecidos pelo ONS e pela EPE.
O leilão será realizado sob a modalidade “Reserva de Capacidade”, regido pela Lei nº 14.182/2021 e pelo Decreto nº 10.707/2021, com o objetivo de reforçar a segurança do suprimento do SIN, especialmente frente à crescente participação de fontes intermitentes (solar e eólica).
O contrato de fornecimento será celebrado na forma de “Contrato de Potência de Reserva de Capacidade” (CRCAP), com prazo de suprimento de 10 anos e início previsto para 1º de agosto de 2028.
O contrato assegurará ao vencedor o recebimento de uma receita fixa anual, a ser paga em doze parcelas mensais, destinada a remunerar o agente vencedor pela disponibilidade da capacidade contratada, e não pela energia efetivamente entregue. Essa receita poderá ser ajustada em função da verificação de desempenho operativo, conforme metodologia a ser definida no edital.
Habilitação e Cadastramento Técnico
O processo de cadastramento e habilitação técnica será conduzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), por meio do Sistema AEGE, em linha com os procedimentos tradicionais dos leilões de energia. Os empreendedores deverão apresentar a ficha de dados e a documentação exigida, conforme orientações a serem divulgadas pela EPE, que incluirão requisitos específicos para sistemas de armazenamento.
A habilitação técnica abrangerá exclusivamente os sistemas de armazenamento, não se estendendo a usinas de geração que compartilhem instalações de interesse restrito, a fim de preservar a natureza autônoma do produto “Potência – Armazenamento” e evitar sobreposição de análises.
De forma excepcional, será dispensada a apresentação prévia de licenciamento ambiental, medida que reconhece o caráter pioneiro do certame e busca ampliar a participação de novos agentes. O licenciamento, contudo, deverá ser obtido pelos empreendimentos vencedores no prazo que for estabelecido no edital.
A EPE verificará a conformidade técnica dos projetos com base em critérios mínimos de desempenho e integração ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Não serão habilitados empreendimentos que apresentem custo variável não nulo, potência inferior a 30 MW, operação contínua inferior a quatro horas, insuficiência de escoamento no ponto de conexão, eficiência inferior a 85% ou tempo de recarga superior a seis horas.
Os projetos deverão ainda atender aos requisitos técnicos de conexão definidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), incluindo funcionalidades grid-forming, e terão sua disponibilidade de potência apurada com base na capacidade máxima efetiva das baterias, parâmetro que servirá de referência para a habilitação e o desempenho contratual.
Metodologia Locacional
A EPE desenvolveu uma metodologia locacional voltada a identificar as áreas do SIN mais sensíveis do ponto de vista elétrico e, portanto, mais adequadas à instalação de sistemas de armazenamento. O critério baseia-se no índice MISCR (Multi-Infeed Short Circuit Ratio), utilizado para classificar as regiões do SIN segundo sua robustez elétrica e vulnerabilidade a oscilações de tensão e frequência.
A metodologia é estruturada em dois níveis de análise. O Nível 1, que será aplicado no LRCAP/2026, utiliza o MISCR para classificar as regiões de menor robustez elétrica e orientar a seleção de pontos de conexão prioritários, assegurando simplicidade operacional e ampla concorrência entre projetos. O Nível 2, previsto para leilões futuros, contemplará análises dinâmicas mais detalhadas de estabilidade e recuperação de tensão, permitindo refinamento na alocação dos empreendimentos e ganhos adicionais de eficiência sistêmica.
Precificação e Bonificação Locacional
O modelo de precificação do LRCAP/2026 adota o conceito de Preço da Disponibilidade de Potência, calculado com base na receita anual requerida pelo agente em relação à potência ofertada. Esse valor reflete todos os custos fixos e operacionais necessários à manutenção da capacidade contratada, tais como investimentos, manutenção, recomposição de módulos, seguros, encargos e demais obrigações técnicas.
Para estimular a alocação eficiente dos projetos e fortalecer a estabilidade do sistema, a EPE propôs a aplicação de uma bonificação locacional, que ajustará o valor competitivo das propostas apresentadas. Projetos conectados a barramentos considerados prioritários, isto é, regiões identificadas como de menor robustez elétrica, receberão fator de bonificação que reduzirá o preço de potência para fins de classificação no certame, sem alterar a receita contratual final.
Requisitos técnicos mínimos de Conexão
Os empreendimentos participantes deverão cumprir integralmente os requisitos de conexão definidos pelo ONS, voltados à integração segura dos sistemas de armazenamento ao SIN. As especificações exigem tecnologias capazes de operar em modo grid-forming, aptas a prover suporte dinâmico à frequência e à tensão e a responder rapidamente a distúrbios operacionais.
Os sistemas deverão garantir controle de potência ativa e reativa, integração aos sistemas de medição e supervisão do ONS e desempenho compatível com os padrões de estabilidade e confiabilidade exigidos para operação no SIN.
Cronograma e Procedimentos
Com base nas informações divulgadas, segue abaixo o cronograma estimado e simplificado das próximas etapas:
Oportunidades e pontos de atenção
O LRCAP/2026 inaugura o mercado regulado de armazenamento de energia no Brasil, oferecendo aos agentes a possibilidade de contratos de longo prazo com remuneração previsível e risco operacional reduzido. O modelo reforça a visão de que o armazenamento é um recurso de capacidade e estabilidade, essencial para o equilíbrio da matriz elétrica e a integração de fontes renováveis.
A introdução da bonificação locacional representa um avanço relevante na modernização da política setorial, alinhando a alocação de ativos a critérios técnicos e de eficiência econômica. Contudo, o sucesso do certame dependerá da consistência técnica dos projetos, da adequação dos estudos de acesso e da observância aos requisitos de desempenho e conexão.
A dispensa de licenciamento ambiental na fase de habilitação facilita o ingresso de novos participantes, mas impõe ao investidor a necessidade de planejamento antecipado para cumprir as etapas de regularização nos prazos estabelecidos. O modelo contratual baseado na disponibilidade, por sua vez, exigirá gestão rigorosa de operação e manutenção, sob pena de ajustes negativos na receita.
Em síntese, o LRCAP/2026 consolida o armazenamento como vetor de modernização e segurança energética, inaugurando uma nova etapa de integração tecnológica no setor elétrico brasileiro.
A equipe de Energia do FAS Advogados acompanha de forma contínua os desdobramentos jurídicos e regulatórios do LRCAP/2026 e está à disposição para apoiar os clientes na formulação de contribuições à Consulta Pública, bem como na estruturação e habilitação de projetos para o certame.