O Ofício-Circular Conjunto nº 2/2024/CVM/SIN/SSE (“Ofício”), publicado pela CVM na sexta-feira passada, busca esclarecer pontos específicos da Resolução CVM nº 175/2022, conforme alterada, que estabelece as diretrizes para o funcionamento de fundos de investimento no Brasil.
Hipótese de ausência de taxa de distribuição
Uma importante novidade da Resolução para a melhoria da governança e transparência na indústria de fundos de investimento foi a exigência de publicar o valor da taxa máxima de distribuição no regulamento. Recapitulando: esta taxa representa um percentual anual do patrimônio líquido do fundo pago aos distribuidores de suas cotas. Contudo, a CVM abriu uma exceção importante para essa divulgação nos casos em que o gestor de recursos atua como distribuidor das cotas de fundos sob sua gestão. Nesses casos, a CVM interpreta que essa distribuição é uma extensão da atividade de gestão e que já estaria remunerada por meio da taxa de gestão.
Essa dispensa está alinhada ao artigo 33 da Resolução CVM nº 21/2021, que trata das condições para que administradores de carteiras possam também distribuir cotas dos fundos que gerem ou administrem.
Esse artigo permite que administradores de carteiras de valores mobiliários atuem na distribuição de cotas, desde que cumpram normas específicas, como cadastro de clientes, adequação do produto ao perfil do investidor, cumprimento de normas de combate à lavagem de dinheiro e a indicação de um diretor responsável pela atividade de distribuição, que pode acumular funções com a gestão. Além disso, o artigo flexibiliza regras como a necessidade de segregação física entre as áreas de gestão e distribuição, permitindo que ambas compartilhem instalações, desde que o gestor distribua apenas cotas de fundos sob sua gestão.
Trata-se de uma medida interessante que, por exclusão, destaca o bem jurídico protegido pela CVM ao estabelecer uma das principais regras de segregação de atividades no mercado de capitais: a separação entre gestão e distribuição. Historicamente, aquele que está comprando (gestor) não pode também estar “vendendo” (distribuidor), sobretudo quando está comprando com dinheiro de terceiros.
No entanto, neste caso específico, considerando que o gestor está distribuindo exclusivamente cotas de fundos que já administra, e levando em conta que tanto a parte geral quanto os anexos da Resolução CVM nº 175/2022 impõem diversas restrições aos investimentos em fundos geridos pelo mesmo gestor, a exceção à segregação se torna justificável. Manter a obrigatoriedade de separação nesse contexto geraria um custo de observância superior aos benefícios que a restrição traria ao mercado.
Não obstante, embora dispensada a taxa máxima de distribuição, continuam obrigatórias a segregação e a identificação clara das taxas de gestão, que remuneram o gestor pelos serviços de administração de recursos, e de administração, que cobrem o trabalho de operação do fundo, como controles e pagamentos. Essa transparência pode ser detalhada no regulamento do fundo ou no Sumário de Remuneração, documento padronizado pela ANBIMA, que centraliza as informações sobre custos cobrados dos cotistas.
Esclarecimentos sobre a organização em classes e subclasses
Ainda, o Ofício esclareceu as hipóteses nas quais fundos monoclasse podem ser modificados para multiclasses por ato unilateral do administrador, sem necessidade de aprovação em assembleia. A medida dependerá da data de início do fundo (se antes ou depois da entrada em vigor da Resolução CVM nº 175/2022), do que está estabelecido em seu regulamento e do objetivo da nova classe (se receberá novas aplicações ou se envolverá a transferência de cotistas).
As subclasses, por sua vez, permitem um detalhamento adicional, segmentando ainda mais as características das classes de cotas para atender públicos-alvo específicos ou estratégias diferenciadas. Fundos feeders, por exemplo, que investem majoritariamente em outro fundo, podem ser reorganizados em subclasses sem necessidade de aprovação em assembleia, desde que sejam mantidas as condições originalmente pactuadas com os cotistas, como prazos de resgate e política de investimento, e que não haja o aumento de taxas.
A reorganização desses fundos feeders em subclasses pode ser realizada em três cenários: (i) fundos regulados por normas anteriores e que estão sendo adaptados à Resolução CVM nº 175/2022; (ii) classes que foram originadas por meio da adaptação dos fundos estoque; ou (iii) classes constituídas no âmbito da nova regra. Em todos esses casos, o ato unilateral dos prestadores de serviços essenciais é permitido, desde que respeite as condições originais dos cotistas e a política de investimento da classe.
Procedimentos específicos para operações
Durante o período de adaptação à Resolução CVM nº 175/2022, a CVM implementou procedimentos específicos para operações como cisões, incorporações e transferências de classes. Essas transformações são comuns em fundos que estão reorganizando suas estruturas para se adequarem às novas regras. Classes transformadas devem ser encerradas no sistema SGF, e informações detalhadas sobre as transformações devem ser enviadas em planilhas no formato CSV. Quando uma classe de um fundo de classe única é transferida, o fundo é automaticamente encerrado no sistema.
Um exemplo prático seria o caso de uma classe "A" que é parcialmente cindida para formar as classes "B", "C" e "D". Nesse cenário, o registro deve incluir uma linha para cada nova classe, indicando os CNPJs das classes de origem e destino, o tipo de transformação e a data do evento.
Exchange Trade Funds (ETFs) Internacionais
Outro ponto importante abordado pelo Ofício refere-se aos ETFs Internacionais, tratados como uma categoria especial pela Resolução CVM nº 175/2022. Segundo o artigo 42, § 4º, eles não são considerados "fundos ou veículos de investimento no exterior" e, portanto, estão sujeitos a regras específicas. Para investir nesses ETFs, os fundos locais devem observar os limites gerais de exposição ao exterior definidos no artigo 43, §§ 1º e 2º, ficando dispensados de restrições adicionais previstas no mesmo artigo. Essa abordagem busca simplificar o acesso dos investidores brasileiros a ETFs Internacionais, ampliando as oportunidades de diversificação em seus portfólios de investimento.
Ao interpretar detalhadamente as normas da Resolução CVM nº 175/2022, o Ofício enfatiza a flexibilidade e os mecanismos de transparência que devem ser adotados pelos fundos.
Para demais esclarecimentos, procure a equipe de Banking & Finance do FAS Advogados in cooperation with CMS.