Após a publicação da Medida Provisória (MP) nº 1.182 em 25.07.2023, que deu o primeiro passo rumo à regulamentação das apostas esportivas no Brasil, acompanhávamos de perto o projeto de Lei que teria sido apresentado juntamente com a referida MP ao Congresso Nacional.
Muito se falou sobre esse projeto de lei que, originalmente, tinha um escopo menos abrangente do que o substituto apresentado e aprovado na noite de quarta-feira (13.09) na Câmara dos Deputados.
Ao que tudo indica, era intenção do Governo deixar alguns itens da regulamentação para atos infra legais e administrativos, no entanto, ainda que haja necessidade de publicação de uma série de normas que tratarão dos detalhes acerca do procedimento de autorização para exploração da atividade no Brasil, o substituto ao Projeto de Lei (PL) nº 3.626, de 2023 veio robusto, com diversas indicações e algumas novidades.
Ao apagar das luzes e às vésperas de sua aprovação pela Câmara dos Deputados, foi incluído no PL 3.626/2023 a possibilidade de se explorar apostas de quota fixa em eventos virtuais de jogo online (cassinos online). A definição de jogos online no PL, no entanto, é abrangente, pouco precisa e provavelmente demandará a edição de novos atos legais delimitando seu escopo.
Outra novidade trazida pelo PL 3.626/23 foi a menção aos fantasy games e a declaração expressa de não se tratarem de modalidade lotérica, promoção comercial ou aposta de quota fixa ficando, portanto, dispensados da necessidade de autorização do Ministério da fazenda para sua exploração.
Autorização (ou Licença) essa, aliás, que, no PL, perdeu alguns anos de vigência passando a ter validade de 3 anos, ao invés dos 5 anteriormente previstos na MP1.182/2023.
Mais uma vez não foi previsto prazo para implementação das novas regras para exploração da atividade de apostas no Brasil nem prazo para adequação das empresas estrangeiras a esse novo cenário, no entanto, a intenção do Governo é começar a coletar os valores das licenças em Janeiro de 2024.
Se isso será possível, saberemos em breve.
A partir de agora, com o envio do PL nº 3.626/2023 ao Senado, é de 45 dias o prazo para sua análise.
Abaixo, as suas principais disposições.
Definições:
Ao PL foi incorporada a definição de aposta como sendo: “ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio.”
Já eventos reais de temática esportiva: “evento, competição ou ato que inclua competições desportivas, torneios, jogos ou provas, individuais ou coletivos, excluídos aqueles que envolvam exclusivamente a participação de menores de dezoito anos de idade, cujo resultado é desconhecido no momento da aposta(...)”
Jogo on-line é definido no PL como sendo “canal eletrônico que viabiliza a aposta virtual em jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, símbolos, figuras ou objetos definido no sistema de regras.”
Evento virtual de jogo on-line, por sua vez, ficou definido como “evento, competição ou ato de jogo online cujo resultado é desconhecido no momento da aposta.”
Regime de Exploração e Requisitos Gerais para concessão de autorização:
A exploração das apostas por quota fixa se dará em ambiente concorrencial, mediante autorização discricionária, conveniência e oportunidade do Ministério da Fazenda (MF), sem limite do número de autorizações, terá caráter personalíssimo, e poderá, a critério do MF, ser outorgada com prazo de ATÉ 3 anos.
A autorização tem como condições para o seu deferimento: (i) o pagamento de “taxa” no valor de até R$30MM (trinta milhões de reais) (ii) a constituição de empresa no Brasil, com sede e administração no território nacional (iii) valor mínimo e forma de integralização do capital social (iv) comprovação de que pelo menos um dos integrantes do grupo de controle tenha conhecimento e experiência em jogos, apostas e loterias (v) designação de diretor responsável pela interface com MF (vi) estruturação de serviço de atendimento ao apostador e ouvidoria (vi) cumprimento de requisitos técnicos e de segurança cibernética (vii) associação do agente operador a organismos nacionais ou internacionais de monitoramento de integridade esportiva.
O procedimento de autorização tramitará em meio eletrônico e referida autorização somente será expedida se após o exame da documentação e avaliação da capacidade técnica e financeira do operador, análise da reputação e conhecimento de seus controladores e administradores, o MF concluir pelo atendimento dos requisitos legais.
[IMPORTANTE: Apesar de o PL permitir a oferta de apostas esportivas em estabelecimentos físicos, além dos virtuais, as apostas em jogos online apenas podem ser ofertados de forma online.]
Publicidade e Propaganda e Normas anticorrupção:
Será vedada a divulgação de marcas e serviços de operadores não autorizados a operar no Brasil.
Além disso, as regras relativas a publicidade e divulgação de operadores autorizados a operar no Brasil, apesar de ainda estarem sujeitas a regulamentação específica a ser expedida pelo MF (e, eventualmente, pelo Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária – CONAR), deverão envolver ações informativas de conscientização de prevenção ao jogo patológico, bem como cláusulas de advertência.
Após notificação do Ministério da Fazenda (i) empresa divulgadoras de publicidade e propaganda, deverão excluir divulgação de operadores irregulares e (ii) provedores de acesso à internet deverão bloquear sítios eletrônicos e excluir aplicativos que ofertem loteria de apostas fixas em desacordo com as referidas regras de publicidade e propaganda.
O operador de apostas esportivas por quota fixa deverá, entre outras obrigações a serem, ainda, definidas em regulamentação do Ministério da Fazenda:
(i) integrar organismo nacional ou internacional de monitoramento da integridade esportiva; e
(ii) adotar mecanismos de segurança e integridade na realização de apostas e mitigação de manipulação de resultados e corrução nos eventos reais de temática esportiva.
Transações de Pagamento:
Será vedado aos instituidores de arranjos de pagamento e instituições de pagamento permitir ou dar curso a transações que tenham por finalidade apostas por operadores não autorizados.
Além disso, é exclusiva de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central a oferta de contas transacionais ou quaisquer serviços financeiros que permitam a efetivação de apostas e recebimento de prêmios.
O agente operador deverá adotar mecanismos:
(a) de verificação da identificação dos apostadores e deverá manter, na forma e prazo a serem estabelecidos por regulamentação do Ministério da Fazenda registro de todas as operações realizadas (prêmios auferidos, apostas realizadas, saques e depósitos nas contas transacionais); e
(b) de análise de apostas com o objetivo de caracterizá-las ou não como suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e, em caso positivo, de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Vedações:
É vedado aos operadores de apostas por quota fixa a aquisição, licenciamento ou financiamento de direitos de transmissão de eventos esportivos realizados no País.
São proibidos de apostar: (i) menores de 18 anos (ii) proprietário, administrador, diretor e outras pessoas com influência significativa nos operadores (iii) agente público que atue diretamente na regulação, fiscalização e controle do setor no âmbito federal (iv) pessoas com acesso aos sistemas informatizados de loteria de apostas de quota fixa (v) pessoas que possam ter influência nos resultados dos jogos e (vi) outras pessoas que venham a figurar na regulamentação do Ministério da Fazenda.
[Importante notar que foi excluído do PL a vedação a apostadores inscritos nos cadastros nacionais de proteção ao crédito.]
É, ainda, vedado ao agente apostador (i) conceder adiantamentos e bonificações mesmo que a título de promoção, divulgação ou propaganda (ii) firmar parceria comercial para viabilizar ou facilitar o acesso a crédito ou fomento mercantil por parte do apostador e (iii) a instalação, em seu estabelecimento físico, de agências que concedam crédito e afins a apostadores.
Direitos do consumidor:
Aplicam-se aos apostadores as normas do Código de Defesa do Consumidor, além dos direitos básicos à informação adequada sobre funcionamento das plataformas e regras de utilização dos canais eletrônicos.
Será obrigatório, ainda, ao operador dispor de serviço de atendimento a apostadores, em língua portuguesa.
Tributação:
Sobre o prêmio recebido pelo apostador incidirá Imposto de Renda à alíquota de 30%, respeitada a primeira faixa de isenção do IRPF (R$2.122,00).
O PL manteve a incidência de contribuição à alíquota de 18% sobre o GGR.
[Importante ressaltar que, além dos 18% sobre o GGR, incidem, ainda, sobre a receita decorrente da atividade dos operadores os demais impostos e contribuições devidos pelas pessoas jurpidicas – IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS – antes da reforma tributária.]
Além disso, será devida, pelos operadores de apostas taxa de fiscalização incidente sobre o valor total destinado ao pagamento dos prêmios mensalmente, conforme tabela progressiva anexa à Lei 13.756/2018.
Fiscalização e Regime Sancionador:
O agente operador deverá utilizar sistemas auditáveis com acesso irrestrito ao Ministério da Fazenda e regulamentação futura ainda irá dispor sobre forma e periodicidade de envio de informações e esclarecimentos pelos operadores de aposta.
O agente operador terá obrigação de reportar ao Ministério da Fazenda, no prazo de 5 dias, eventos suspeitos de manipulação.
Poderão ser instaurados processos administrativos para apuração de infrações e valoração da penalidade conforme gravidade da infração.
Entre as infrações previstas estão (i) atuar sem outorga do MF, (ii) omitir informações ou documentos (iii) divulgar publicidade de operadores sem outorga (iv) executar ou incentivar atividades que contribuam para práticas atentatórias à integridade esportiva.
As multas podem variar entre 0,1 a 20% sobre produto da arrecadação após impostos, com teto de R$2bilhões de reais. Além da possibilidade de serem aplicadas advertência e suspensão das atividades.
PL traz possibilidade de sanções aplicadas em caráter cautelar quando há fumus boni iuris e periculum in mora – antes ou durante a instauração do processo administrativo.
A multa pelo não atendimento a medidas cautelares podem ser aplicadas por dia em valor não superior a R$100mil reais.
Previsão de suspensão ou não instauração de processo administrativo destinado à apuração de infração, caso o investigado firme Termo de Compromisso no qual o operador se obrigue a cessar ou corrigir conduta considerada irregular.