Quase no final do ano, em 30.12.2023, Lei 14.790 finalmente regulamenta a atividade de apostas no Brasil finalmente foi publicada.
A versão final da lei não difere muito do que já constava no Projeto de Lei 3626/2023, mas a grande novidade foi a inclusão de jogos de cassino online no texto e no valor da licença de R$30milhões, que agora é devida também para exploração dessa atividade.
Outro item importante incluído na Lei 14.790 diz respeito à exploração de loterias estaduais.
Durante o processo regulatório, graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que quebrou o monopólio da Caixa Econômica Federal (CEF) e permitiu a exploração de loterias por estados e Distrito Federal, muito se falou e debateu sobre a possibilidade de oferta de loterias estaduais de forma online a consumidores localizados fora do respectivo estado. Alguns estados até iniciaram os seus próprios processos de autorização e anunciaram a prestação deste serviço nacionalmente.
A Lei 14.790 contém um capítulo inteiro dedicado a estabelecer regras para o funcionamento das loterias estaduais e proíbe expressamente a operação “multijurisdicional”, deixando claro que a comercialização e publicidade de loterias pelos estados deve ser restrita aos consumidores fisicamente localizados dentro dos limites da sua circunscrição ou territorialidade.
Embora a intenção do Governo fosse deixar alguns aspectos da regulamentação para atos subordinados e administrativos e apesar da necessidade de publicação de atos infralegais que abordarão os detalhes do procedimento de autorização para o funcionamento desta atividade no Brasil, a Lei 14.790 já é bastante detalhada (talvez até demais).
Abaixo estão suas principais disposições.
Definições
O projeto de lei incorpora a seguinte definição para jogo online: "canal eletrônico que viabiliza a aposta virtual em jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras."
Essa definição parece declarer a intenção de se regulamentar os famosos caça níqueis, jogos de azar em que a sorte é fator preponderante.
Embora o projeto de lei permita a oferta de apostas esportivas em estabelecimentos físicos, além dos virtuais, as apostas em jogos online só poderão ser oferecidas de forma online.
Regime Operacional e Requisitos Gerais para Autorização
As condições para autorização incluem: (i) pagamento de uma “taxa” de até R$ 30 milhões (US$ 6milhões) pelo uso de até 3 marcas, (ii) estabelecimento de empresa no Brasil, com sede e administração em território nacional (iii) valor mínimo e forma de integralização do capital social (iv) comprovação de que pelo menos um dos membros do grupo de controle possui conhecimento e experiência em jogos, apostas e loterias (v) nomeação de diretor responsável por interface com o Ministério da Fazenda e pelo atendimento aos apostadores e responsável pelo tratamento de feedbacks e reclamações (vi) estruturação de serviço de atendimento ao jogador e ouvidoria (vi) cumprimento de requisitos técnicos e de cibersegurança (vii) associação do agente a organizações nacionais ou internacionais para fiscalização da integridade esportiva e (viii) exigência de sócio brasileiro detentor de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do capital social da pessoa jurídica.
Sócio ou acionista controlador de empresa de apostas de quota fixa não poderá deter participação direta ou indireta em sociedade anônima de futebol (SAF) ou organização esportiva profissional, nem atuar como executivo de uma seleção esportiva brasileira.
Políticas Corporativas Obrigatórias
Os agentes de apostas devem adotar políticas, procedimentos e controles internos para:
I - Atendimento a apostadores e serviços de ouvidoria;
II - Prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa;
III - Jogo responsável e prevenção dos distúrbios patológicos do jogo; e
IV – Integridade das apostas e prevenção de manipulação de resultados e outras fraudes.
Prazo para adaptação às novas regras – a ser estabelecido em regulamentação mas não inferior a 6 meses.
Publicidade e Propaganda e Regras Anticorrupção
Será proibida a publicidade de marcas e serviços de operadoras não autorizadas a operar no Brasil.
As regras para publicidade e promoção de operadoras autorizadas no Brasil, embora ainda sujeitas à regulamentação específica do Ministério da Fazenda e Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR, que, aliás, expediu no dia 02.01.2024 suas regras, devem envolver informações para o prevenção ao jogo compulsivo, cláusula de advertência, e ser explícita quanto à proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos.
Mediante notificação do Ministério da Fazenda (i) as empresas de publicidade devem excluir a promoção de operadores não licenciados e (ii) os prestadores de serviços de Internet devem bloquear websites e remover aplicações que ofereçam apostas de quota fixa que não cumpram as regras de publicidade acima referidas.
O operador de apostas por quota fixa deve, entre outras obrigações que serão estabelecidas pelo Ministério da Fazenda integrar organizações nacionais ou internacionais de monitoramento da integridade esportiv.
Transações de pagamento
Processadores de pagamentos e instituições financeiras estão proibidos de permitir ou processar transações destinadas a apostas por operadores não licenciados. Tal proibição só será imposta após prazo a ser determinado pelo Ministério da Fazenda, mas nunca inferior a 90 dias a contar do início do procedimento de autorização.
Somente instituições autorizadas pelo Banco Central poderão oferecer contas transacionais ou quaisquer serviços financeiros que permitam a realização de apostas e o recebimento de prêmios.
O pagamento dos prêmios deverá ser feito exclusivamente por meio de transferências, créditos ou remessas para contas bancárias ou contas de pagamento de titularidade dos respectivos apostadores e mantidas em instituições com sede e administração em países autorizadas pelo Banco Central do Brasil.
O operador de apostas deverá adotar mecanismos:
(a) de identificação dos apostadores (incluindo a utilização de sistemas de reconhecimento facial) e manutenção de registos de todas as operações realizadas; e
(b) de categorizar as apostas como suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e, em caso afirmativo, reportá-las ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Também será obrigatório que as operadoras desenvolvam um recurso para limitar o tempo de jogo.
Proibições
É vedado ao agente operador, bem como às suas controladas e controladoras, adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos sobre eventos esportivos realizados no país para emissão, transmissão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilização ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens, por qualquer meio ou processo.
São proibidos de apostar: (i) menores de 18 anos (ii) proprietários, administradores, diretores e outras pessoas com influência significativa sobre as operadoras (iii) agentes públicos que regulam, fiscalizam e controlam diretamente o setor no nível federal (iv) pessoas com acesso a sistemas informatizados de operadores de apostas de probabilidade fixa (v) indivíduos que possam influenciar os resultados dos jogos (vi) indivíduo com transtorno de jogo compulsivo, com base na avaliação de um profissional de saúde mental qualificado e (vii) outras pessoas que possam ser incluídas nos regulamentos do Ministério da Fazenda.
Operadores de apostas também estão proibidos de (i) fornecer adiantamentos e bônus, mesmo como parte de promoções, publicidade ou marketing (ii) celebrar parcerias comerciais para permitir ou facilitar o acesso dos apostadores ao crédito ou financiamento comercial e (iii) estabelecer agências em seus estabelecimentos físicos que oferecem crédito e serviços similares aos apostadores.
Direitos do consumidor
Os apostadores estarão sujeitos às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Além dos seus direitos básicos, o consumidor tem direito a (i) informação adequada sobre o funcionamento das plataformas (ii) regras de utilização dos canais eletrónicos (iii) informação e orientação adequadas e claras sobre as condições e requisitos de previsão dos resultados dos jogos e verificação de prêmios (iv) informações e orientações adequadas e claras sobre os riscos de perda de valores de apostas e questões associadas ao jogo patológico e (v) proteção de dados pessoais.
Operador deverá fornecer atendimento ao consumidor em língua portuguesa.
Tributação
O imposto de renda de pessoa física (IRPF) será cobrado à alíquota de 15% sobre os prêmios líquidos recebidos pelo apostador – Isso se aplica também aos prêmios recebidos em fantasy sports.
A lei permite que 88% (oitenta e oito por cento) das receitas auferidas (GGR) sejam destinados à cobertura de despesas dos operadores e 12% (doze por cento) serão destinados a diversos beneficiários (incluindo setor de educação, segurança pública, esporte e turismo).
É importante ressaltar que, além dos 12% sobre o GGR, os demais impostos e contribuições devidos pelas pessoas jurídicas - IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS também incidem sobre a receita resultante da atividades dos operadores.
Além disso, as operadoras de apostas terão que pagar uma taxa de fiscalização sobre o valor total destinado ao pagamento dos prêmios a cada mês, conforme tabela anexa à Lei 13.756/2018 (atualizada pela Lei 14.790) de R$ 54.419 a R$ 1,9 milhão (aproximadamente US$ 10.000 a US$ 400.000 ).
Fiscalização
O agente operador deverá:
(i) utilizar sistemas auditáveis e com acesso irrestrito ao Ministério da Fazenda, futura regulamentação determinará a forma e frequência de envio de informações e esclarecimentos por parte dos operadores de apostas.
(ii) comunicar ao Ministério da Fazenda, no prazo de 5 dias, quaisquer eventos suspeitos de manipulação.
(iii) possuir estrutura administrativa capaz de atender com rapidez e eficácia às solicitações, exigências, consultas ou demandas do (1) Ministério da Fazenda (2) das autoridades pertencentes ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (3) do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública (4) demais órgãos, entidades e autoridades brasileiras para o exercício de suas atribuições legais.
Podem ser instaurados processos administrativos para investigar violações e impor penalidades com base na gravidade da violação e as multas podem variar de 0,1% a 20% do faturamento após impostos, sendo o valor máximo R$ 2 bilhões (US$ 300 milhões). Advertências e suspensão de atividades também poderão ser impostas.
Entre as violações estão (i) operar sem a devida autorização, (ii) omitir informações ou documentos, (iii) anunciar (divulger publicidade de) operadores não licenciados, (iv) executar ou incentivar atividades que contribuam para práticas prejudiciais à integridade desportiva.
É importante ressaltar que as penalidades previstas em lei também são aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas que pratiquem, sem a devida autorização, atividades relacionadas a apostas.
A lei prevê a possibilidade de liminares caso haja fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (risco ou dano associado à demora na ação ou à não adoção de medidas imediatas) - antes ou durante o procedimento administrativo.
Disposições Gerais
Fantasy sports (esporte eletrônico onde as competições acontecem em ambiente virtual baseado no desempenho de indivíduos reais) foram expressamente excluídos das regras relativas a loterias, promoções comerciais e apostas de quota fixa.
Atos subortinados a serem editados pelo Ministério da Fazenda estabelecerão a forma e o processo pelos quais serão concedidas autorizações para que todos os operadores da modalidade lotérica de apostas fixas façam uso (i) da imagem, nome ou apelido esportivo, e outros direitos de propriedade intelectual dos atletas; e (ii) as denominações, marcas, emblemas, hinos, símbolos e elementos similares das organizações desportivas.
Loterias Estaduais
A Lei 14.790 contém um capítulo inteiro dedicado a estabelecer regras para o funcionamento das loterias estaduais e proíbe expressamente a operação “multijurisdicional” das loterias estaduais, deixando claro que a comercialização e publicidade de loterias pelos estados deve ser restrita aos consumidores fisicamente localizados dentro dos limites da sua circunscrição ou territorialidade.
Além disso, ao mesmo grupo econômico ou Pessoa jurpidica será concedida apenas 1 autorização e em apenas 1 Estado ou no Distrito Federal.
Vigência
A lei entrou em vigor na data de sua publicação, exceto pela incidência da contribuição social sobre a receita das operadoras, que deverá observar a anterioridade nonagesimal, e pelo artigo que estabelece como infração a veiculação de publicidade de plataformas não autorizadas, que entrará em vigor após o início do processo de autorização.