Os Impactos da Reforma Tributária na antecipação de recebíveis de arranjos de pagamento

Autores
A Lei Complementar nº 214/2025, que institui o novo modelo de tributação do consumo no Brasil, trouxe mudanças significativas para o setor de serviços financeiro. Entre os pontos de destaque está a inclusão expressa da antecipação de recebíveis de arranjos de pagamento no regime específico de tributação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
O novo enquadramento trazido pela Lei pode alterar substancialmente o enquadramento jurídico-tributário dessas operações, o que exige atenção redobrada por parte dos agentes que atuam na antecipação de recebíveis de meios de pagamento.
De forma simplificada, a antecipação de recebíveis ocorre quando um participante do arranjo de pagamento — como uma subcredenciadora — antecipa ao comerciante os valores que ele tem a receber de vendas realizadas via cartão, antes da data originalmente prevista para liquidação. Essa antecipação, usualmente remunerada por uma taxa de desconto, é uma fonte relevante de receita para muitos agentes do setor.
Até então, a receita proveniente dessa taxa de desconto era, em grande parte dos casos, tratada como receita financeira e, portanto, não submetida à incidência do ISS e sujeita a tratamento mais eficiente em relação ao PIS e COFINS. A partir da vigência da LC 214/2025, esta receita passa a ser enquadrada como prestação de serviço financeiro, sujeita à CBS e ao IBS no regime específico previsto para o setor.
Essa mudança busca preencher lacunas interpretativas quanto à natureza jurídica dessas operações e alinha o tratamento tributário da antecipação de recebíveis às demais atividades financeiras. Entretanto, na ausência de planejamento estratégico, tal alinhamento poderá representar, em muitos casos, um aumento de carga tributária.
A nova legislação estabelece que a base de cálculo do IBS e da CBS para a antecipação de recebíveis será composta pelo valor bruto da taxa de desconto cobrada, com possibilidade de dedução de valores expressamente autorizados, como:
- A curva de juros futuros da taxa DI aplicável ao prazo da antecipação;
- Perdas incorridas no recebimento ou na cessão de créditos;
- Descontos concedidos a valor de mercado, desde que devidamente justificados.
As deduções permitidas só podem ser aplicadas se estiverem expressamente previstas em lei e diretamente vinculadas à atividade financeira desenvolvida. Neste contexto, as despesas financeiras não poderão ser deduzidas da receita bruta.
Além disso, eventuais perdas excedentes às receitas tributáveis em um período poderão ser aproveitadas nos períodos subsequentes, respeitados os limites legais.
Outro ponto relevante é a exigência de uma estrutura contratual clara, que possibilite a demonstração dos valores envolvidos, os descontos cobrados, os beneficiários da operação e os critérios de cálculo da taxa de desconto. Essa formalização será fundamental para resguardar o contribuinte em caso de questionamento fiscal.
A lei também inova ao prever que o tomador da antecipação de recebíveis, se estiver sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, poderá se creditar do tributo incidente sobre a parcela da taxa de desconto que exceder a curva de juros da taxa DI. Trata-se de um mecanismo que visa mitigar a cumulatividade e preservar a neutralidade econômica da operação.
Entretanto, a apropriação do crédito não pode recair sobre valores que já tenham sido deduzidos da base de cálculo pelo prestador do serviço. A legislação veda expressamente o duplo aproveitamento, ou seja, não se pode deduzir e, ao mesmo tempo, creditar o mesmo valor.
Com base no exposto, é possível concluir que a mudança no tratamento tributário da antecipação de recebíveis impõe um reposicionamento das estratégias fiscais das empresas que atuam no setor. Ao considerar como receita sobre operações de consumo uma transação que antes era tratada como receita financeira, há uma expansão da base de incidência da CBS e do IBS, com potenciais impactos econômicos relevantes. Tais impactos podem ser mitigados pelas deduções autorizadas na legislação.
No entanto, a nova sistemática exige nível elevado de controle operacional e documental, sob pena de glosas fiscais e autuações por descumprimento das condições previstas na legislação.
Diante desse cenário, recomenda-se que as empresas:
- Revisem os contratos de antecipação de recebíveis, prevendo cláusulas claras sobre o valor bruto, o desconto aplicado e a taxa DI utilizada como referencial;
- Mapeiem e quantifiquem as perdas e deduções previstas na legislação, criando mecanismos de registro e validação contábil e fiscal;
- Atualizem seus sistemas de compliance tributário, garantindo o correto tratamento dos valores sujeitos à tributação e das parcelas passíveis de dedução ou crédito;
- Realizem simulações de impacto fiscal, comparando o regime anterior com o novo modelo, a fim de ajustar margens e estratégias de precificação;
- Documentem todas as operações de forma robusta, de modo a comprovar a natureza e a base dos valores deduzidos e/ou creditados.
Em conclusão, a Reforma Tributária introduz um novo paradigma para a tributação das operações de antecipação de recebíveis nos arranjos de pagamento. A mudança legislativa quanto à natureza da receita dos descontos impõe ajustes técnicos, contratuais e operacionais que vão muito além da simples reclassificação contábil.
Nesse novo contexto, conformidade, transparência e previsibilidade serão palavras-chave para garantir a segurança jurídica e a eficiência fiscal das operações. A adequação tempestiva a essas novas regras não apenas mitiga riscos, mas também representa uma vantagem estratégica no processo de transição para o novo sistema tributário nacional.