Como a IA generativa está transformando as recomendações de investimento
1º artigo da série

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A inteligência artificial (IA) deixou de ser apenas uma promessa tecnológica para se tornar parte ativa das operações e da comunicação do mercado financeiro. Ferramentas de IA generativa estão cada vez mais presentes nesse ambiente, sendo incorporadas para aprimorar o relacionamento com investidores e ampliar o acesso à informação.
Essa evolução traz ganhos evidentes – como agilidade, personalização e eficiência –, mas também levanta incertezas e desafios regulatórios. Por isso, é essencial que o mercado saiba adotar e integrar essas ferramentas e que os consumidores estejam capacitados para utilizá-las de forma consciente, compreendendo também os cuidados necessários para um uso seguro e responsável.
Quando o tema é o uso de IA generativa para recomendações de investimento, a cautela precisa vir acompanhada de estudo e preparo. É preciso analisar como os reguladores estão tratando desse tema.
No campo das recomendações de investimento, o uso de IA generativa amplia as possibilidades de interação, categorização e personalização, permitindo que investidores recebam informações adaptadas ao seu perfil e momento financeiro. Essas ferramentas podem apoiar a análise de produtos, simular cenários e facilitar o entendimento de riscos e oportunidades.
No entanto, é importante que sua atuação seja vista como um instrumento de apoio, e não de substituição à análise humana e ao papel profissional dos assessores e consultores de investimento, evitando confundir conveniência tecnológica com orientação especializada, específica e individual para ao investidor.
Nesse cenário, tanto o Banco Central do Brasil (BCB) quanto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm se posicionado de forma ativa para recepcionar a IA, com uma estratégia que vai além da regulação, envolvendo capacitação, governança e aprendizado institucional.
Da parte do BCB, um passo significativo foi a criação do Centro de Excelência em Ciência de Dados e Inteligência Artificial (CdE IA), comunidade de especialistas dedicada a estabelecer diretrizes para o uso seguro e ético da tecnologia dentro da própria autarquia. Esse movimento é um indicador importante para o mercado: antes de impor regras, o regulador busca compreender a tecnologia, interpretando seus limites e potencialidades.
Além desse esforço interno de estruturação, o BCB definiu o estudo dos riscos e dos impactos do uso de inteligência artificial pelas instituições financeiras como uma das metas prioritárias para o biênio 2025–2026. A iniciativa reforça a preocupação do órgão em avaliar, de forma técnica, os efeitos da adoção dessas tecnologias sobre o sistema financeiro e a relação com o consumidor.
A agenda de inovação do BCB também inclui projetos emblemáticos como o Drex (o Real Digital) e o Open Finance, que devem se beneficiar diretamente da aplicação de tecnologias de IA. O avanço da IA tende a potencializar essas iniciativas, permitindo maior automação na análise de dados, aprimoramento de serviços personalizados e aumento da eficiência nos processos de verificação e segurança. Com isso, a IA deixa de ser apenas um instrumento de suporte e passa a integrar, de forma transversal, a infraestrutura de modernização do sistema financeiro brasileiro.
A CVM, por sua vez, vem estruturando iniciativas que demonstram seu envolvimento direto com o tema e sua preocupação em aproximar regulação e inovação.
O Centro de Regulação e Inovação Aplicada (CRIA) foi criado justamente para estabelecer essa ponte entre a CVM e as soluções tecnológicas inovadoras. Ele funciona como um espaço de testes controlados e diálogo com o mercado, permitindo que novas ferramentas – como modelos de recomendação baseados em IA – sejam avaliadas de forma técnica e cautelosa, sem travar o avanço da inovação.
Complementarmente, a Resolução CVM nº 233/2025 instituiu a Gerência de Desenvolvimento de Inteligência (GDI/SDE), unidade voltada à aplicação de tecnologias de análise de dados e inteligência artificial nos processos de supervisão e fiscalização da autarquia. A criação da GDI reflete o compromisso da CVM em compreender de forma prática o uso da IA e aprimorar sua capacidade de monitorar o mercado com base em evidências e eficiência tecnológica.
De modo geral, a mensagem que se pode extrair das ações dos reguladores é que: inovar não é incompatível com proteger. A tecnologia é bem-vinda no setor financeiro, desde que venha acompanhada de governança, transparência e acompanhamento humano – elementos essenciais para manter a confiança do investidor e a integridade do mercado.
A postura proativa dos reguladores para entender os desafios decorrentes da adoção de tecnologias e garantir a segurança do mercado é valorizada pelo Projeto de Lei nº 2338/2023 (PL), que dispõe sobre o desenvolvimento, fomento e uso ético e responsável da IA no Brasil, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.
O PL prevê que o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), na posição de regulador residual, será a autoridade competente para regular o uso da IA para atividades econômicas em que não haja regulador setorial específico e deverá colaborar com reguladores de temas transversais nos casos em que esses reguladores existam.
Ou seja, o PL estabelece princípios, obrigações e limites gerais (transparência, explicabilidade, mitigação de vieses etc.), mas não pretende substituir as regulações específicas já existentes ou futuras nos setores regulados, permitindo que BCB e CVM criem ou apliquem regulamentações próprias para o uso de IA em seus mercados.
E isso não é novidade. O EU Artificial Intelligence Act (IA ACT) - primeiro marco legal abrangente do mundo voltado especificamente para a regulação do uso da IA - prevê que, em determinadas circunstâncias, as obrigações previstas no IA ACT podem ser consideradas como cumpridas mediante o atendimento de requisitos previstos na legislação setorial aplicavél. Um exemplo notável diz respeito exatamente aos serviços financeiros.
Nesse novo contexto, as ferramentas baseadas em IA generativa têm o potencial de simplificar o entendimento de produtos financeiros, reduzir barreiras de linguagem e democratizar o acesso ao investimento. Para o investidor, isso significa mais informação, autonomia e personalização. Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que esses sistemas operam com base em grandes volumes de dados e padrões de correlação, o que demanda interpretação crítica e consciência sobre seus limites.
A IA pode apoiar a tomada de decisão, mas ainda não substitui a avaliação individual nem o acompanhamento profissional. O investidor passa a ter um novo papel: compreender a tecnologia que o auxilia. E isso inclui compreender o que ela é e o que ela não é. Assim como a regulação evolui, o usuário também precisa se adaptar para interagir com essas ferramentas de forma segura e consciente.
Se o usuário não souber diferenciar os métodos, salvaguardas e proteções decorrentes de uma assessoria profissional e regulada do simples uso de ferramentas de IA, pode acabar por se desviar da rota de investimentos desejada.
E a preocupação não é exclusiva do investidor. Também as plataformas de investimento precisam estar atentas ao uso independente de agentes de IA na automação de investimentos. Sendo uma realidade que se impõe, cada agente precisa definir uma estratégia de relacionamento com essas ferramentas. Essa estratégia pode variar de intolerância à cooperação oficial, exigindo considerações de risco operacional, trade-offs com outros produtos e efeito no seu posicionamento comercial.
Afinal, a compatibilidade com agentes de IA trará riscos, muitos dos quais ainda não têm tratamento regulatório claro, mas certamente servirá como diferencial competitivo entre plataformas de investimento.
Uma coisa é certa, o uso de IA generativa nas recomendações e interações financeiras representa uma promessa carregada de muito potencial. BCB e CVM vêm mostrando que é possível acompanhar a inovação sem renunciar à estabilidade, à ética e à proteção ao investidor. O principal desafio para as instituições financeiras está em equilibrar tecnologia e confiança – e é justamente desse equilíbrio que depende o futuro da relação entre inteligência artificial e investimento.