Inteligência Artificial e Propriedade Intelectual: quais os impactos no contexto da publicidade?
4º artigo da série
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Discutir direitos autorais no âmbito da inteligência artificial generativa deixou de ser um debate restrito a especialistas em tecnologia e passou a ocupar espaço real nas decisões práticas do mercado.
Hoje, é difícil encontrar setores produtivos e econômicos que não incorporem ferramentas tecnológicas como meio de desenvolvimento, expansão e diferencial competitivo. No ambiente publicitário, isso se intensifica.
E o que acontece quando estamos dentro de um ambiente onde o grande diferencial competitivo sempre esteve no resultado intelectual do serviço? Como acomodar questões como direito autoral, num contexto de criação de conteúdo por tecnologia?
Quem cria, produz ou contrata conteúdo, busca ferramentas que possam facilitar, qualificar e acelerar os processos de criação e produção de materiais, sendo a IA, em suas diferentes versões e formatos, um aliado importante para o mercado geral, e, especialmente, para o setor publicitário.
Mas é justamente nesse ambiente, onde criatividade, agilidade e inovação são pilares determinantes, que essa adoção exige cuidado: como a IA generativa pode criar conteúdos de forma tão eficiente? Quem terá direitos sobre a sua criação?
Essas são algumas das perguntas mais recorrentes nos dias de hoje, cujas respostas não são simples. No contexto jurídico, essa análise passa por zonas cinzentas que ainda estão sendo desenhadas, e que, inevitavelmente, continuarão evoluindo.
Será que o chamado “conteúdo resultante” ou “output” pode ou não ser considerado criação (intelectual?) protegida pelos direitos autorais? E no meio desse caminho, há interesses legítimos de criadores, agências, anunciantes e desenvolvedores de tecnologia.
Antes de tudo, é importante reconhecer: atualmente, no Brasil não existe um ambiente jurídico plenamente estabilizado e totalmente preparado para acomodar todas as questões envolvendo IA.
Como comentado acima, de maneira prática, podemos dividir a questão de direitos autorais na IA generativa em duas etapas: os dados usados para treinar sistemas de IA e os criados por eles.
Na Lei de Direitos Autorias, conforme estabelecido no artigo 22, pertencem ao autor da obra os direitos morais e os direitos patrimoniais. Direitos morais são indisponíveis, inalienáveis e irrenunciáveis, e dizem respeito ao vínculo pessoal e permanente entre o autor e sua obra, tais como: direito de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; e de ter seu nome, pseudônimo ou sinal de identificação indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra.
Já direitos patrimoniais, são direitos disponíveis do autor, ou seja, que podem ser concedidos a terceiros, e que garantem ao titular de tais direitos, a possibilidade de utilizar, fruir (obter o resultado da utilização) e dispor (conceder a outros terceiros) da obra literária, artística ou científica.
Ainda, a Lei define autor como pessoa natural. Isso significa, numa interpretação literal que conteúdos gerados integralmente por IA, por não terem o elemento humano, não são protegidos como obras intelectuais.
Então, surge a discussão sobre a natureza jurídica do conteúdo criado a partir do uso de uma inteligência artificial generativa. Existe criação “100% da IA”? O resultado criado com IA é passível de proteção como obra intelectual? Se sim, quem é o titular desse direito? A agência pode explorar livremente esse conteúdo?
Na prática publicitária, é raro que exista um conteúdo criado 100% por IA. Há sempre algum nível de intervenção humana: briefing de geração de conteúdo, que já contém direcionamento, orientações, direcionamentos estéticos, ajustes, curadoria. E parece ser exatamente esse “grau de contribuição humana” o elemento gerador do direito, onde começa a ser reconhecida a possibilidade de proteção da obra gerada por IA, desde que essa contribuição humana seja considerada suficientemente relevante. Quanto um “prompt” precisa ser original ou gerar um produto original para que o resultado gerado pela IA seja considerado uma “expressão criativa do espírito humano”.
Por outro lado, mesmo quando não há proteção autoral sobre o resultado, é preciso atenção: se a IA reproduz elementos identificáveis de uma obra protegida, ou imita a estética de um artista de forma reconhecível ou identificável, isso pode configurar infração. E nesse caso, tanto a agência quanto o anunciante podem ser responsabilizados.
Mas não é apenas a questão da proteção autoral daquilo que é usado para treinar a IA, assim como do resultado do que é produzido, que deve ser objeto de preocupação. Questões como direitos de personalidade, como nome, imagem e som de voz, têm ganhado importância crescente e já há disputa judicial no Brasil envolvendo uso não autorizado de voz sintetizada para fins publicitários.
A questão é sensível: quando a IA cria um resultado que se assemelha à expressão individual de alguém, estamos no território do direito de imagem e da proteção da identidade, que exigem autorização expressa.
E todas essas questões vão além dos riscos jurídicos. Abrangem, também riscos de reputação, de agências e anunciantes.
Mas ignorar ou deixar de aproveitar todas as vantagens da IA é estagnar o desenvolvimento. É retroceder para um formato que, hoje, já não é mais possível.
Então, como resolver essa equação? Equilibrando a balança! O equilíbrio começa por:
Adotar políticas claras de uso de IA
.Garantir que fornecedores de tecnologia ofereçam transparência sobre o treinamento e uso de dados
.Estruturar contratos com fornecedores e clientes que tratem expressamente de responsabilidades, obrigações, direito de imagem, voz e autoria, além da possibilidade ou não do uso de IA nas criações
.Revisar campanhas com atenção redobrada para evitar apropriação indevida de obras
.Promover o debate dentro do seu nicho de atuação: a educação do mercado é essencial
.Seguir as orientações do CONAR e as regras do CDC, especialmente em relação à transparência
.Acompanhar os movimentos e evoluções legislativas sobre o tema
.Na fase de evolução tecnológica que estamos, já temos acomodação de alguns pontos enfrentados hoje no contexto da legislação vigente, mas certamente o ordenamento jurídico seguirá evoluindo.
Vemos, atualmente, alguns Projetos de Lei que trazem pontos importantes dessa discussão, e que caminham no sentido de exigir mais transparência, criar obrigações para desenvolvedores e estabelecer limites mais claros para uso de material protegido. Desses Projetos de Lei, o que se encontra em um estágio mais avançado é o PL nº 2.338/2023. Entretanto, esse PL é falho no que diz respeito ao esclarecimento de quem seria a propriedade intelectual dos conteúdos gerados pela IA, deixando uma lacuna a ser debatida.
No geral, com a regulamentação, que ainda pode demorar, a tendência é que o regime fique mais sofisticado e exigente para quem atua no setor publicitário.